20 de dezembro de 2023 •
Boletim Informativo – Suspensão do Regulamento Nacional de Agentes
Em 04 de outubro de 2023, a Confederação Brasileira de Futebol publicou o seu Regulamento Nacional de Agentes de Futebol (“RNAF”) com um breve atraso em relação à previsão do art. 3.1 do FIFA Football Agent Regulations (“FFAR”), que estipulou o dia 30.09.23 como data limite para a adoção das novas normas voltadas aos Agentes também pelas Federações Nacionais.
Às vésperas da abertura da primeira Janela de Transferências em que as novas regulamentações seriam aplicadas no Brasil, duas decisões liminares da 7ª Vara Cível da Regional da Barra da Tijuca do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro vieram por determinar a suspensão do RNAF e o restabelecimento das regulamentações anteriores (i.e. o Regulamento Nacional de Intermediários) a partir de 18 de dezembro de 2023. Ainda, uma das decisões determinou que a FIFA e a CBF se abstenham de aplicar diversos artigos do FFAR nas transferências de atletas e treinadores com efeitos imediatos.
As decisões da Justiça Comum brasileira não são inéditas no mundo e podem representar uma substancial alteração sobre as possibilidades de negociação entre Clubes e Agentes/Intermediários no que toca a contratação de atletas para a próxima Janela de Transferências no Brasil.
- O FFAR e a contestação à sua aplicação ao redor do mundo
Publicado em 16 de dezembro de 2022 e com sua plena eficácia se dando a partir de 01º de outubro de 2023, o FFAR trouxe profundas alterações nas normativas voltadas para o trabalho dos até então intermediários e, agora, agentes. Com o escopo de regular desde o processo para se tornar um agente, os limites e diretrizes dessa atuação, bem como o método de resolução de disputas advindas da representação de atletas, a FIFA instituiu um sistema de licenciamento prevendo a necessidade de aprovação em exame, do pagamento de uma taxa anual, da apresentação constante de documentos dentro da nova Plataforma de Agentes e da quitação dos serviços prestados através da FIFA Clearing House, medida ainda pendente de implementação de forma plena.
Dentre as novas balizas para a representação de atletas e clubes, a que representou o maior foco de discussão sem dúvida foi o estabelecimento de limites percentuais para o pagamento pelos serviços prestados pelos agentes. Com o impacto sobre a remuneração até então praticada pelo mercado e permitida pela FIFA, ações foram movidas ao redor do mundo questionando a aplicabilidade do FFAR e dos Regulamentos Nacionais de Agentes.
Na Alemanha, uma decisão liminar determinou que a FIFA e a Federação Alemã de Futebol não poderiam aplicar as disposições do FFAR, especialmente em relação aos limites de comissionamento, às condições de pagamento e à proibição da múltipla representação. A FIFA foi obrigada a publicar em seu site as informações sobre a decisão judicial da Corte Distrital de Dortmund, criando o conceito “link to Germany”: caso algum agente, clube, atleta ou técnico tenham alguma ligação com a Alemanha, nenhum dispositivo do FFAR seria aplicável à operação. Ainda, a Federação Alemã ficou desobrigada de editar o seu Regulamento Nacional até uma decisão definitiva sobre o caso.
Na Espanha, a Corte Comercial de Madrid determinou que a FIFA e a Federação Espanhola de Futebol se abstivessem de aplicar os arts. 15.1 e 15.2 do FFAR em âmbito nacional e internacional. Assim, os limites percentuais aplicados ao cálculo das comissões deixam de ser aplicados nas transferências ligadas a clubes espanhóis até a decisão definitiva pela Justiça espanhola.
Inglaterra e França também possuem decisões restringindo a aplicação das limitações para o pagamento das comissões, o que implica a aplicação parcial das disposições do FFAR em cada um dos países.
- As decisões judiciais no Brasil
Em que pese o art. 24 do FFAR prever a possibilidade de as Federações Nacionais instituírem sistemas de licenciamento próprios, regulando a atuação dos agentes em transações nacionais, a CBF replicou as disposições do FFAR de forma que apenas estariam aptos a atuar no Brasil, também em transações de âmbito nacional, os agentes licenciados pela FIFA.
Além disso, os limites percentuais a pagamento de comissões e as regras de transição aplicadas pelo RNAF motivaram, na esteira das decisões que foram sendo anunciadas ao redor do mundo, o ajuizamento de duas ações por intermediários e agentes visando a revogação das novas normativas implementadas pela FIFA e pela CBF.
Nos pleitos realizados, foram suscitados o (i) desrespeito ao princípio do livre exercício profissional, nos termos do art. 5º, XIII da Constituição Federal, (ii) o desrespeito ao princípio do livre exercício da atividade econômica, com fulcro no art. 170 da CF, (iii) uma eventual usurpação de competência pela CBF para regulamentação de profissão, (iv) repercussões sobre as Leis nº 13.874/2019 (Liberdade Econômica) e nº 12.529/2011 (Antitruste) e (v) o fato de os exames para o deferimento da Licença para atuação se darem apenas em línguas estrangeiras.
Assim, as duas decisões liminares foram proferidas em 18 de dezembro de 2023 e exaradas pela 7ª Vara Cível da Regional da Barra da Tijuca do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Em ambas houve a determinação pela suspensão da aplicação do Regulamento Nacional de Agentes de Futebol de 2023, de forma que fossem restabelecidos os dispositivos contidos no Regulamento Nacional de Intermediários.
Ainda houve a decisão para que tanto a FIFA como a CBF, ambas no polo passivo, se abstivessem de aplicar, com efeitos imediatos, os artigos 4.2, 5.1, 8, 11.3, 12.8, 12.9, 13.1, 14.2, 14.6, 14.7, 14.10, 14.13, 15.2, 15.3, 15.4, 16.1, 16.3(a), 16.2(b), 16.3(b), 17 e 19 do FFAR, que em suma tratam dos seguintes temas:
– Requisitos para obtenção da Licença;
– Possibilidade de atuação através de Agência;
– Vedação à dupla representação entre clubes distintos numa mesma operação;
– Approach para a representação de menores nos 6 (seis) meses anteriores à possibilidade de assinatura de Contrato de Trabalho;
– Pagamento realizado apenas diretamente pelo cliente;
– Pagamento trimestral e sempre após o encerramento da janela de transferências;
– Pagamento de 50% (cinquenta por cento) da comissão pelo clube contratante quando em caso de dupla representação;
– Pagamento das comissões via FIFA Clearing House, condição essa que ainda não havia sido implementada, mas que está prevista;
– Supressão dos limites percentuais para pagamento das comissões;
– Vedação à prestação de “outros serviços” nos 24 meses anteriores/subsequentes a uma contratação sob pena de interpretação de que houve pagamento de comissão de forma descaracterizada;
– Vedação a approach com viés de indução para rescisão antecipada de contrato;
– Sanções em caso de não atendimento aos critérios de eligibilidade para a atuação como agente;
– Publicação, pela FIFA, dos nomes dos Agentes licenciados, clientes por eles representados, sanções eventualmente impostas e detalhes das transações envolvendo agentes.
Neste viés, portanto, tem-se que, caso não haja a reversão das decisões judiciais em sede recursal ou quando do julgamento definitivo da demanda, as principais disposições do FFAR e o RNAF deixam de produzir efeito no Brasil, aplicando-se o quanto previsto antes da edição dos Regulamentos em questão.
- Considerações Finais
É certo que ações judiciais que venham por modificar decisões e normativas editadas no âmbito da Lex Sportiva potencialmente causam uma insegurança jurídica aos stakeholders envolvidos no mercado. Especificamente em relação às novas regulamentações voltadas aos agentes, porém, o que se observa é uma reação ampla do mercado em contrariedade ao que as organizações de administração do esporte editaram, estando pendente um alinhamento entre tais Regulamentos e as normas nacionais e internacionais que tratam de temas como a liberdade econômica e regulamentação de profissão.
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