Mídia (artigos e publicações)

< voltar

19 de dezembro de 2022 •

Boletim Informativo – New Fifa Football Agent Regulations

Na última sexta-feira (16), a FIFA aprovou o novo FIFA Football Agent Regulations, regulamento da atividade de agenciamento no futebol que estava em discussão e elaboração dentro da Federação há quase dois anos. O FFAR, que deverá ser implementado pelas associações membros até 30 de setembro de 2023, pretende regular desde o processo para se tornar um agente, os limites e diretrizes dessa atuação, bem como o método de resolução de disputas advindas da representação de atletas. O objetivo com tais regras é, principalmente, proteger a estabilidade contratual entre atletas profissionais e clubes, além de prevenir potenciais condutas antiéticas dos representantes e salvaguardar os direitos dos atletas menores de idade.

Tal movimento da FIFA de regulação da atividade dos agentes segue diversos caminhos, como, por exemplo, a criação de uma plataforma específica para unificar o procedimento de licenciamento de agentes, a resolução de disputas, o programa de desenvolvimento professional continuado (continuing professional development – CPD) e a submissão dos relatórios periódicos. Além disso, a própria instituição de um procedimento de licenciamento de agentes demonstra a tentativa de organizar o mercado de agentes, bem como estabelecer um patamar mínimo de competência dos intermediários.

Diferentemente do modelo de registro de intermediários implementado pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF), a Regulamento, de pronto, diferencia a Agência (Agency) do Agente (Football Agent). Enquanto o Agente é a pessoa natural licenciada pela FIFA para prestar os serviços definidos no Regulamento, a Agência é a organização que atua como um meio para os negócios de um ou mais Agentes. Em suma, enquanto no Brasil há a possibilidade de registro de uma pessoa física ou uma pessoa jurídica como intermediário cadastrado perante a CBF, na incidência do FFAR, apenas a pessoa física poderá ser licenciada e, caso seja do interesse desta, atuar em uma Agência – observadas as disposições do Regulamento.

Em continuidade, note-se que o escopo de aplicação do Regulamento é definido por seu Article 2 que dispõe que este aplica-se aos Contratos de Representação com dimensão internacional e qualquer conduta relacionada a uma transferência ou transação de dimensão internacional. Tal dimensão é mesurada diante da natureza da transação a ser realizada, não necessariamente a partir da qualificação das partes envolvidas no instrumento, vide Article 2.2. transcrito abaixo:

2.

A Representation Agreement will have an international dimension whenever:

a) it governs Football Agent Services related to a Specified Transaction in connection with an international transfer (or a move of a coach to a club or member association that is affiliated to a different member association than their previous employer); or

b) it governs Football Agent Services related to more than one Specified Transaction, one of which is connected to an international transfer (or a move of a coach to a club or member association that is affiliated to a different member association than their previous employer).

Chama atenção a escolha do Regulamento se a compararmos com os critérios definidos pelo FIFA Football Tribunal, por exemplo, ao definir como caso de dimensão internacional aquele que envolva uma transferência internacional, ou seja, entre duas federações de nacionalidades distintas, e não que envolva atletas e/ou clubes de nacionalidades distintas.

Em relação a quem pode se tornar um agente FIFA, o Article 4 traz balizas básicas como ser pessoa natural, aprovada em exame conduzido pela FIFA, pagante de taxa anual e em cumprimento de certos critérios de exigibilidade definidos pelo Regulamento. Dentre eles, é necessário que o agente não possua conflitos de interesses, como deter direitos econômicos de jogadores ou estabelecer relações de interesse com clubes ou, ainda, empresas responsáveis por apostas esportivas – nos termos do Article 5.2.

Tal exame conduzido pela Federação, no qual deverá o Agente ser aprovado, será realizado em conjunto com as associações membro da FIFA, sendo que sua periodicidade e meios de operacionalização serão divulgados por meio de circulares da FIFA às associações.

Quando da aprovação no exame, o Agente deverá pagar uma taxa anual à FIFA para a manutenção de sua licença e, apesar da necessidade de fornecimento de informações constante e uma periódica reavaliação dos critérios de elegibilidade, a aprovação no processo de licenciamento não possui prazo de validade. Dessa forma, em suma, a licença não possui período de validade definido, é pessoal e intransferível e autoriza as atividades do Agente em nível mundial.

Além disso, como mencionado acima, apenas um Agente pode executar os serviços de um Agente (Football Agent Services). Assim, apesar da necessidade de que o Agente seja pessoa física, este pode atuar através de uma Agência, enquanto pessoa jurídica e/ou empresarial. Entretanto, estes devem se atentar às condições de tal atuação dispostas pelo Article 11.3., que, por exemplo, impossibilita que aqueles contratados pela empresa de agenciamento, que não são agentes licenciados pela FIFA, façam quaisquer aproximações a potenciais clientes. Assim, todas as condutas da Agência e de seus empregados serão de responsabilidade do Agente. Nos termos do referido artigo:

3.

A Football Agent may conduct their business affairs through an Agency. Any employees or contractors hired by the Agency that are not Football Agents may not perform Football Agent Services or make any Approach to a potential Client to enter into a Representation Agreement. A Football Agent remains fully responsible for any conduct by their Agency, its employees, contractors or other representatives should they violate these Regulations.

Um ponto de grande relevância é a possibilidade de reconhecimento pela FIFA de licença aprovada pelo sistema nacional de intermediários de cada associação membro. Os critérios para o aproveitamento do registro nacional de agentes estão definidos no Article 24, que estabelece o patamar mínimo para a fruição da licença nacional: a necessidade de que o sistema nacional defina critérios de elegibilidade e exija a aprovação em exame com questões relacionadas aos regulamentos de futebol. Para que aqueles já licenciados nos países de suas respectivas associações membro sejam eximidos de realizar o teste exigido pela FIFA no novo Regulamento, é necessário que os critérios do Article 24.3. sejam observados.

Para possibilitar a prestação dos serviços de Agente, é necessário que seja celebrado com os clientes um Contrato de Representação, cujos requisitos mínimos estão descritos no Article 12.7. Quando o Contrato de Representação for firmado com um indivíduo, como um atleta, a vigência máxima do instrumento deverá ser de 2 (dois) anos e sua extensão somente será possível a partir da celebração de um novo Contrato de Representação. Isso porque o Article 12.3. prevê que qualquer cláusula de renovação automática, ou que estenda o período de vigência para um prazo superior a 2 (dois) anos, deverá ser considerada nula. Caso o Contrato de Representação seja celebrado com clubes, não há vigência máxima estabelecida pelo Regulamento.

Uma vez que uma previsão bastante comum nos Contratos de Representação estabelecidos no mercado de futebol é a exclusividade de representação, merece atenção o Article 12.13. Normatizando um entendimento que vinha sendo construído pelo FIFA Football Tribunal nos últimos anos, o referido artigo flexibiliza as condutas dos clientes perante um Contrato de Representação com exclusividade. Nesse sentido, as cláusulas que limitem a autonomia ou penalizem um indivíduo por negociar e/ou concretizar um contrato de trabalho sem o envolvimento do Agente deverão ser consideradas nulas, vejamos:

13.

Any clause in a Representation Agreement that:

a) limits an Individual’s ability to autonomously negotiate and conclude an employment contract without the involvement of a Football Agent; or

b) penalises an Individual if they autonomously negotiate and/or conclude an employment contract without the involvement of a Football Agent,

will be null and void.

Ainda sobre a exclusividade prevista no Contrato de Representação, o Regulamento abre a possibilidade de se aproximar ou celebrar um Contrato de Representação com cliente já envolvido em uma relação de representação quando nos dois últimos meses do Contrato de Representação ainda vigente, nos termos do Article 16.1., b) e c). Vale mencionar que tais informações referentes às datas de vigência dos contratos deverão estar disponíveis na plataforma a ser lançada pela FIFA, consagrando, justamente, a intenção de aumentar a transparência no mercado dos agentes.

No que tange a celebração do Contrato de Representação, vale ressaltar que, na tentativa de salvaguardar os direitos dos atletas menores de idade, o FFAR estabelece, em seu Article 13, que qualquer aproximação ou assinatura de Contratos de Representação só podem ser feitas, no mínimo, seis meses antes da idade de celebração do primeiro contrato profissional. Isto é, no Brasil, um agente só poderia celebrar um Contrato de Representação com um atleta menor a partir dos 15 anos e 6 meses de idade do jogador. Além disso, para que possa representar menores, o Agente deverá realizar um curso específico de capacitação para agenciamento de menores, sendo requisito para a própria assinatura do Contrato de Representação.

Ainda, merece atenção a definição da parte pagante e de um teto para a remuneração dos agentes nos Articles 14 e 15 – novamente normatizando um entendimento que vinha sendo construído de forma jurisprudencial pela FIFA. Em relação à parte pagante, o Article 14.2. limita a possibilidade de pagamento da comissão por clubes quando da contratação do agente pelo atleta, sendo que o pagamento direto pela entidade somente será cabível quando a remuneração do jogador for inferior a USD 200,000.00 (duzentos mil dólares) anuais. Os respectivos tetos para a remuneração dos Agentes podem ser observados no quadro-resumo presente no Article 14.2., abaixo:

Já as limitações para a comissão dos intermediários são estabelecidas pelo Article 15 e são mandatórias para os Contratos de Representação, não meras recomendações da FIFA, como anteriormente. O Article 15.1. estabelece critérios básicos para o cálculo da remuneração dos agentes, com base na parte a qual este representa, enquanto o Article 15.2. determina um teto progressivo para a comissão máxima dos intermediários, com base em critérios claros. Por exemplo, o teto para a remuneração de um agente quando de uma transferência em que seu cliente é um atleta com renda anual (sem inclusão de pagamentos condicionais) inferior a USD 200,000.00 (duzentos mil dólares) será 5% (cinco por cento) da remuneração do atleta. A definição de tais parâmetros é extremamente relevante à elaboração de Contratos de Representação e à definição das comissões devidas aos intermediários em uma operação.

Em adição, o FFAR institui o Agents Chamber, órgão do Football Tribunal, para dirimir disputas que sejam advindas ou conectadas com um Contrato de Representação de dimensão internacional, nos termos do Artigo 2.2. e 20.1. Neste sentido, o prazo prescricional para a interposição da ação é de 2 (dois) anos e as regras procedimentais aplicáveis são aquelas dispostas no Procedural Rules Governing the Football Tribunal, visto que o Agents Chamber compõe o FIFA Football Tribunal. Já aquelas disputas advindas de Contratos de Representação de dimensão nacional devem ser dirimidas nos foros nacionais de resolução do conflito, sem prejuízo da busca por foros ordinários e estatais de cada nação. A violação ao FFAR, ainda, pode ser sujeita à imposição de sanções pelo FIFA Disciplinary Committe e, quando relevante, pelo Ethics Committee.

Vale mencionar que, caso seja do desejo das partes envolvidas no Contrato de Representação, é importante que haja uma cláusula de eleição de foro no Contrato. Apesar de que seja entendimento da FIFA que, salvo disposição contrária, o foro da FIFA aplicável não necessita de eleição específica, para que não haja discussões, a disposição clara é recomendável.

O conhecimento acerca do novo FFAR é essencial para aqueles envolvidos na celebração de Contratos de Representação, uma vez que todos aqueles Contratos de Representação concluídos após a aprovação do Regulamento deverão estar de acordo com suas normas até 1º de Outubro de 2023. Além disso, os intermediários com Contratos de Representação vigentes terão até a mesma data para obter suas licenças. Apesar disso, as disposições referentes ao processo de licenciamento já passam a vigorar em 9 de Janeiro de 2023.

Em suma, tem-se, portanto, que o FFAR busca estabelecer patamares mínimos para a capacitação dos Agentes licenciados, visando diminuir os conflitos de interesses no mercado e potenciais condutas antiéticas pelas partes envolvidas. Ainda, ressalta-se a previsão dos tetos de comissão, bem como a definição das partes responsáveis pela obrigação de pagar a comissão definida no Contrato de Representação. Os agentes que pretendem se licenciar pela FIFA devem se atentar, não somente aos critérios de elegibilidade, como também aos requisitos do Contrato de Representação e ao funcionamento do Agents Chamber – órgão da FIFA que se dedicará à resolução de disputas envolvendo Contratos de Representação de dimensão internacional.

Ressaltamos que a edição do Regulamento parte de um entendimento da FIFA de que, uma vez que o contrato do atleta é elemento central ao mercado do futebol, aqueles que atuam na sua execução e/ou encerramento são importantes atores e, portanto, é razoável que seu escopo de trabalho esteja dentro das atividades jurisdicionais da FIFA.

Além disso, as recentes alterações da FIFA, seja na integração e reorganização do FIFA Football Tribunal, seja com o grande esforço na elaboração do FFAR, demonstram a necessidade da manutenção de um equilíbrio sensível de um ecossistema que depende da interferência de entidades reguladoras em pontos específicos, como o trabalho do agente, para mantê-lo funcional coletiva e individualmente, pensando em todos os seus atores. Dessa forma, entende-se o ecossistema do futebol como uma teia, composta por atletas, stakeholders, agentes, clubes, dentre outros. Assim, o FFAR se dedica a fortalecer e equilibrar as relações entre todos os membros desse ecossistema, protegendo tanto a estabilidade dos contratos como as partes neles envolvidas.