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01 de setembro de 2023 •

Medida provisória revê tributação de benefício de ICMS e pode gerar R$ 35 bi

O GOVERNO FEDERAL EDITOU NESTA QUINTA-FEIRA (31) MEDIDA PROVISÓRIA (MP 1.185) QUE REVOGA UMA DECISÃO DO CONGRESSO NACIONAL E AUMENTA A TRIBUTAÇÃO DE GRANDES EMPRESAS QUE POSSUEM BENEFÍCIOS FISCAIS DE ICMS.

A MP também contorna uma decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) sobre a questão que poderia restringir os planos do governo de aumentar a arrecadação de Imposto de Renda e CSLL sobre o lucro das empresas, na avaliação de especialistas na área tributária.

Abre ainda espaço para que, a partir de 2028, esses benefícios fiscais passem a ser tributados mesmo quando haja contrapartida das empresas na forma de investimentos.

A equipe econômica espera arrecadar cerca de R$ 35 bilhões a partir de 2024 com a medida, recursos necessários para tentar zerar o déficit no Orçamento do próximo ano. Também foi enviado ao Parlamento nesta quinta o projeto de lei que propõe acabar com o mecanismo de JCP (Juros sobre Capital Próprio), outra medida de impacto orçamentário.

Em relação à MP, o governo defende que, ao ampliar o lucro das empresas, os incentivos de ICMS devem ser incluídos na base de cálculo de IRPJ e CSLL, tributos federais sobre o lucro.

Quando o ganho estiver relacionado a investimentos, na forma de implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, essas empresas vão ter direito a um crédito fiscal. Para isso, precisam se habilitar perante a Receita Federal.

A MP prevê também que não poderão ser computadas na apuração do crédito fiscal as receitas reconhecidas após 2028.

“Minha primeira leitura é que eles estão, nesse inciso, tentando estancar esse benefício e matá-lo em 2028”, afirma Ana Carolina Monguilod, sócia do CSMV Advogados e professora do Insper.

A norma também diz que só será permitido o uso do crédito depois que houver a conclusão do empreendimento, destaca Thais Meira, sócia de tributário do escritório BMA.

“A norma muda completamente o sistema para dizer o seguinte, todas as isenções estão revogadas, IRPJ, CSLL, PIS e Cofins, e eu vou dar um crédito de IRPJ”, afirma a tributarista.

Ela destaca que a MP revoga o artigo 30 da lei 12.973, na tentativa de esvaziar a aplicação de uma decisão do STJ deste ano que mantinha o benefício quando a empresa cumprisse os requisitos previstos nesse dispositivo.

“Essa medida provisória não está falando nem de tributação. Ela está criando algo bem peculiar, que é um crédito de IRPJ. Isso vai inaugurar uma nova briga, que não necessariamente vai estar vinculada à jurisprudência que já foi construída pelo STJ”, afirma Monguilod, do CSMV Advogados.

Tatiana Del Giudice Cappa Chiaradia, sócia do Candido Martins Advogados, afirma que a MP representa a formalização da vontade bem antiga do governo federal de diferenciar as subvenções para investimento e custeio, que haviam sido equiparadas no artigo 30 da Lei nº 12.973/2014, após a edição da Lei Complementar nº 160, reservando a partir de agora o benefício federal somente às subvenções compreendidas como de investimento, conforme interpretação conferida há anos pela Receita Federal.

“Destaco a importância de se acompanhar de perto a sua eventual aprovação no Congresso Nacional, pois os seus impactos alcançarão todos os contribuintes, que já se organizaram e se planejaram dentro de um cenário que ficará totalmente distorcido a partir de 2024”, afirma a advogada.

Ela cita o exemplo de contribuintes que possuíam decisão judicial autorizando a utilização do benefício nos termos do revogado artigo 30 e contribuintes que investiram em suas atividades de acordo com o retorno fiscal calculado e programado.

“Não fosse só isso, [a MP] permite a tributação dos benefícios fiscais estaduais, por exemplo, trazendo mais um capítulo para a guerra fiscal e um desrespeito ao princípio federativo, e, claro, provavelmente causarão um fomento ao contencioso administrativo judicial dentro dos inúmeros questionamentos que surgirão, a exemplo, a revogação das disposições definidas no artigo 30 da Lei nº 12.973/2014 pela Lei Complementar nº 160.”

Para a Abrasca (Associação Brasileira das Companhias Abertas), a proposta do governo restringe a decisão do STJ.

Segundo a entidade, a oneração de incentivos fiscais representará aumento de carga relevante para as empresas, e estados mais distantes do mercado consumidor podem ser prejudicados, uma vez que investimentos de longo prazo foram feitos no cenário anterior.

“Trata-se de uma mudança brusca de entendimento sobre tema que já foi amplamente debatido nos Poderes Legislativo e Judiciário. Tal medida reforça a insegurança jurídica que existe para investir no Brasil.”

Diogo Olm Ferreira, tributarista do VBSO Advogados, afirma que as subvenções para investimento passarão a ser tributadas e haverá a possibilidade, apenas para alguns contribuintes, de receber o crédito fiscal. “Aparentemente, essa troca está sendo proposta como mais um mecanismo de aumento da arrecadação”, diz

Para o Ministério da Fazenda, ao pretender equiparar diversos benefícios de ICMS, os dispositivos agora revogados causaram distorções tributárias, com impactos profundamente negativos para a arrecadação federal, além da insegurança jurídica e do aumento de litigiosidade tributária.

A substituição de incentivo fiscal por meio da exclusão de bases de cálculo de tributos federais por incentivo concedido mediante crédito fiscal também está alinhada às regras da OCDE, segundo o governo.

A MP trata de empresas tributadas pelo lucro real —em geral, aquelas com faturamento acima de R$ 78 milhões/ano— que recebem benefícios de União, estados ou municípios para implantação ou expansão de empreendimento econômico. Ela ainda precisa ser aprovada pelo Congresso para valer a partir de 2024.