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4 de junho de 2024 •

Boletim de Planejamento Patrimonial e Sucessório | Edição nº 2 / 2024

Impactos da reforma tributária nas holdings familiares com atividade imobiliária

Há anos, famílias têm buscado estruturar seus negócios imobiliários por meio de sociedades, usando as chamadas holdings imobiliárias. Os motivos são variados. Além de uma potencial eficiência tributária, as holdings muitas vezes desenvolvem importante papel na governança familiar e no planejamento sucessório.

No campo tributário, a atividade imobiliária das holdings familiares, por consistir principalmente na locação e na venda de bens imóveis, tem sofrido carga tributária no lucro presumido equivalente a, aproximadamente, de 11,33% a 14,53% das receitas, no caso da locação, e de 6,73% a 5,93% das receitas, no caso da venda (isto incluindo tanto o IRPJ[1] e a CSLL[2], como o PIS[3] e a COFINS[4]).

Colocando de lado eventual custo de ITBI[5] na estruturação da holding imobiliária, a tributação da pessoa jurídica tende a ser mais vantajosa quando comparada com o imposto de renda cobrado das pessoas físicas, às alíquotas da tabela progressiva (zero a 27,5%) no caso dos aluguéis, e às alíquotas progressivas de 15% a 22,5% sobre o ganho de capital (sendo a alíquota de 15% aplicável ao ganho de até R$ 5 milhões).

Com a evolução da reforma da tributação do consumo, mediante a aprovação da Emenda Constitucional n° 132 no ano passado (EC 132/2023), será importante avaliar os impactos dessa futura tributação nessas frequentes estruturas de investimento familiar.

A EC 132/2023 pretende alterar a tributação do consumo, promovendo a substituição do ICMS[6] e do ISS[7] pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), e do PIS/COFINS pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS)[8]. A Emenda Constitucional ainda depende de regulamentação, que está sendo discutida pelo Congresso Nacional a partir do Projeto de Lei Complementar n° 68/24 (PLP 68), que propõe a seguinte tributação para o setor imobiliário:

  • não incidência na venda e no aluguel de imóvel por pessoa física, ainda que contribuinte do IBS e da CBS, contanto que não utilize os imóveis em suas atividades econômicas de forma preponderante;

  • tributação da venda e do aluguel de imóveis por empresas com essa atividade-fim, mas sob um regime específico;

  • alíquota reduzida em 20%: ainda não sabemos qual será a alíquota-padrão do IBS e da CBS, mas o governo estima que será equivalente a aproximadamente 26,5%, de modo que a alíquota das operações com imóveis seria de aproximadamente 21,2%;

  • base de cálculo equivalente: (a) na venda, ao valor de referência ou valor de alienação, o que for maior; e, (b) na locação, ao valor do aluguel;

  • dedução da base de cálculo por um redutor de ajuste:no caso de bens de propriedade do contribuinte em 31/12/2026, equivalente ao valor de referência;no caso de bens imóveis adquiridos a partir de 1º/01/2027 de alienante não sujeito ao regime regular do IBS e da CBS, o menor entre: (a) o valor da aquisição do bem imóvel; ou (b) o valor de referência do imóvel;no caso de bens imóveis adquiridos a partir de 1º/01/2027 de alienante sujeito ao regime regular do IBS e da CBS, o saldo não utilizado do redutor de ajuste relativo ao bem imóvel; ena locação, redução equivalente a 1/360 do valor do redutor de ajuste na data de sua constituição.

  • previsão de “redutor social” adicional, no montante de R$ 100 mil.

Sob a perspectiva unicamente fiscal, as vantagens e desvantagens da tributação da atividade imobiliária pela pessoa física vis-à-vis pela pessoa jurídica dependerá do fato de a pessoa física, quando contribuinte do IBS e CBS, ser entendida como utilizando o imóvel em suas atividades econômicas de forma preponderante. Se não for contribuinte, essa pessoa física não estará sujeita à incidência do IBS e da CBS, enquanto sua holding imobiliária inevitavelmente será contribuinte dos novos tributos.

No caso de incidência do IBS e da CBS sobre as operações da holding imobiliária, para que possamos estimar os impactos dessa nova tributação (que substituirá o PIS/COFINS) ainda aguardamos a definição da alíquota padrão (para sabermos qual será exatamente a alíquota descontada aplicável ao setor imobiliário), bem como da operacionalização dos descontos proporcionados pelos redutores (de ajuste e social). Na locação, o fato de o redutor de ajuste ser utilizado de maneira tão gradual (de 1/360 avos) poderá tornar a dedução insuficiente para abater o valor integral do aluguel tributável pelo IBS e pela CBS, resultando em considerável majoração fiscal.

A verdade é que a efetiva mensuração dos impactos que a reforma tributária terá sobre as holdings familiares depende da finalização da regulamentação da EC 132/2023, bem como dos possíveis desdobramentos da reforma do imposto de renda que ainda está por vir, com possível tributação dos dividendos, hoje isentos. Portanto, essas incertezas tributárias somadas a eventuais custos de estruturação de holdings imobiliárias (principalmente o ITBI) poderão sugerir que, em alguns casos, as famílias adiem seus planos de reorganização.

Não obstante, independentemente de eventuais eficiências ou ineficiências fiscais, também devem ser considerados os já mencionados motivos adicionais para se usar uma holding, como seu papel de veículo de implementação de governança familiar e planejamento sucessório.

 

[1] Imposto de Renda da Pessoa Jurídica.

[2] Contribuição Social sobre o Lucro Líquido.

[3] Contribuição para o Programa de Integração Social.

[4] Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social.

[5] Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis.

[6] Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação.

[7] Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza.

[8] Haverá também a figura o Imposto Seletivo (IS), também denominado de imposto do “pecado”, que possui natureza extrafiscal e incidirá sobre bens e serviços considerados nocivos à saúde e ao meio ambiente e que não será abordado neste momento por não ser relevante ao tema proposto.


A importância do Pacto Antenupcial para o planejamento sucessório e matrimonial

O pacto antenupcial é uma importante ferramenta à disposição dos nubentes no contexto de um planejamento patrimonial e sucessório, e não se limita à eleição do regime de bens para o futuro casamento.

No direito brasileiro, os futuros cônjuges podem escolher o regime de bens que regulará a comunicabilidade das relações patrimoniais entre eles. Os nubentes podem optar entre os regimes de bens previstos no Código Civil ou ainda estabelecer um regime de bens misto, desde que observadas as regras de ordem pública e respeitados os interesses de terceiros.  Na ausência de pacto antenupcial, será adotado o regime legal da comunhão parcial de bens.

Logo, o planejamento patrimonial e sucessório pode se iniciar antes mesmo do casamento, com a celebração do pacto antenupcial para a escolha do regime de bens que definirá as regras sobre a comunicação do patrimônio, em caso de divórcio e/ou sucessão.

Vários são os motivos que justificam a eleição de um regime de bens diverso do regime legal, dentre eles, destacam-se, o interesse de manter o patrimônio da família o máximo possível entre os familiares, o crescimento do número de famílias recompostas, o desejo de estabelecer uma comunicação diversa para determinado bem ou parcela do patrimônio. Mais recentemente, a partir da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a não obrigatoriedade da separação de bens para as pessoas acima de 70 anos, todos aqueles com mais de 70 anos que decidirem contrariar matrimônio, poderão se valer do pacto antenupcial para escolher outro regime de bens que não o da separação obrigatória de bens, o que até então não era permitido.

Além da eleição do regime de bens, os futuros cônjuges poderão estabelecer no pacto antenupcial importantes regras para o casamento. Os futuros cônjuges poderão estabelecer cláusulas patrimoniais, como por exemplo, regras sobre as doações entre os cônjuges e/ou para terceiros, uso e destinação de frutos derivados da aquisição de novos bens ou daqueles já existentes, usufruto de bem particular, entre outras de interesse do casal.

Também é possível convencionar cláusulas existenciais para regular aspectos cotidianos da vida do casal com o objetivo de evitar ou minimizar eventuais conflitos. Como exemplo, são aceitas cláusulas sobre o compartilhamento das tarefas domésticas, uso e privacidade em redes sociais, interesse ou não pela constituição de prole, uso de técnicas reprodução assistida, guarda de animais de estimação, nomeação de tutores para os filhos, multa ou indenização para o caso de infidelidade dentre várias outras de interesse de cada casal.

As mesmas cláusulas patrimoniais e existenciais podem ser previstas em Contrato particular ou Escritura de União Estável. No entanto, o pacto antenupcial exige escritura pública, ou seja, dever ser feito perante um Tabelião de Notas, averbado na Certidão de casamento e para ter efeito em relação a terceiros, deverá ser registrado no Cartório de Registro de Imóveis do primeiro domicílio do casal e ser averbado em todas as matrículas de bens imóveis adquiridos antes e durante o casamento.

Para a elaboração de um pacto antenupcial legalmente válido, que atenda à vontade dos futuros com cônjuges e desempenhe um papel importante na prevenção de futuros litígios, é necessário conhecer os interesses, desejos, anseios e particularidades dos futuros cônjuges e respeitar as limitações legais, bem como os princípios da dignidade humana, da igualdade entre os cônjuges e da solidariedade familiar, porquanto o exercício da autonomia privada no pacto antenupcial não é absoluto.


Governança e Sucessão nas Empresas Familiares

Um dos grandes desafios enfrentados nas empresas familiares é a realização de um processo sucessório eficiente, o que envolve não apenas a escolha de sucessor(es) capaz(es) de manter uma gestão de qualidade nas empresas operacionais, mas também o estabelecimento de regras de governança que terão por objetivo proteger o negócio e o ambiente familiar.

A escolha do(s) sucessor(es) é um processo que não se limita à passagem de bastão de uma geração para outra. É fundamental que as empresas familiares identifiquem qual(is) herdeiro(s) possuem capacidade e interesse para atuação no negócio familiar, sendo que muitas vezes a profissionalização da gestão é o caminho mais acertado. Além disso, ainda que se identifique um herdeiro potencial, se faz necessário um processo de preparação do herdeiro, da família e da própria empresa para que a sucessão seja bem executada.

Independentemente da forma de sucessão escolhida (com ou sem herdeiros na gestão), são diversos os temas de governança importantes para bom andamento dos negócios e da paz familiar, entre os quais destacamos: (i) regras claras de sucessão, incluindo as gerações subsequentes e tratamento de agregados, (ii) regras para destinação dos lucros, incluindo reservas e reinvestimentos, (iii) poderes e forma de remuneração do(s) herdeiro(s) encarregado(s) da gestão, caso aplicável, (iv) disposições para proteção dos herdeiros sócios que não atuam no negócio, (v) criação de comitês ou conselhos familiares, (v) procedimentos em caso de impasses, entre outras.

Outro desafio consiste em endereçar as regras aplicáveis às empresas patrimoniais constituídas com recursos oriundos da empresa operacional, o que é bastante comum e muitas vezes exige criação de regras de governança diferentes daquelas empregadas na empresa operacional.

Com tantos obstáculos, é importante que as empresas familiares se preparem com antecedência e utilizem as ferramentas disponíveis para mitigar os riscos de conflitos e perda de eficiência de gestão, que podem até resultar até na perda do negócio familiar. Entre as ferramentas destaca-se (i) estudo de planejamento sucessório adequado à realidade da família, (ii) treinamentos para preparação e conscientização dos herdeiros, (iii) revisão dos instrumentos societários, incluindo acordo de sócios, (iv) acordo familiar, (v) criação de comitês, (vi) utilização de estruturas para facilitar sucessão e governança, entre outros.

Assim como no caso dos planejamentos patrimoniais sucessórios, as medidas e soluções adequadas à sucessão e governança na empresa familiar não se aplicam de forma única a todos os casos, sendo fundamental uma avaliação individualizada do negócio e do contexto familiar. Além disso, é recomendável que as ferramentas implementadas sejam periodicamente revistas para assegurar que permanecem adequadas ao contexto familiar e do negócio.


Nosso time

Octavio Vidigal | Sócio  ovidigal@csmv.com.br | LinkedIn

Flávio de Haro Sanches | Sócio fsanches@csmv.com.br | LinkedIn

Ana Carolina Monguilod | Sócia amonguilod@csmv.com.br | LinkedIn

Livia Ricciotti | Advogada Sênior lricciotti@csmv.com.br | LinkedIn

Luciana Buffara Monteiro | Advogada Sênior lmonteiro@csmv.com.br | LinkedIn

Gustavo Preza Cunha | Advogado gcunha@csmv.com.br | LinkedIn