06 de setembro de 2023 •
Entenda a taxação de fundos exclusivos e offshores em 7 pontos
Fonte: Valor Investe
Na última semana, o presidente Lula assinou uma MP para taxar os fundos exclusivos. No mesmo dia, o governo federal enviou ao Congresso um PL para alterar a taxação dos fundos offshore. Desde então, o assunto vem gerando dúvidas
Na última semana, as movimentações em Brasília para mudar a tributação de alguns fundos de investimento ganharam os holofotes no mercado. Na segunda-feira do dia 28 de agosto, o presidente Lula assinou uma medida provisória (MP) para taxar os fundos exclusivos. No mesmo dia, o governo federal enviou ao Congresso o projeto de lei (PL) para alterar a taxação dos fundos de investimento no exterior (conhecidos como offshore). Desde então, o assunto vem gerando dúvidas, especialmente dos investidores, sobre o que vai mudar na prática. O Valor Investe ouviu especialistas para explicar as mudanças em sete pontos.
Fundos exclusivos
O que são?
Como o próprio nome sugere, os fundos exclusivos são produtos montados especificamente para um ou alguns cotistas (geralmente membros de um mesmo grupo ou família). Eles são diferentes dos chamados fundos condominiais, que estão disponíveis para qualquer investidor que queira entrar.
Assim como os demais fundos de investimentos, eles podem ter em sua composição ativos de diferentes classes (como ações, títulos públicos, moedas e etc), mas sua carteira segue uma estratégia traçada para atender aquele cotista específico.
“É como se você tivesse um clube de investimentos só seu. Todo o dinheiro investido pertence a uma única pessoa ou família”, afirma o advogado Leonardo Roesler, especialista em direito tributário.
A grande questão, nesse caso, é que, por serem produtos muito personalizados, eles também são produtos caros de serem criados e mantidos. Segundo o advogado, a legislação brasileira não determina um valor mínimo ou um limite legal a ser aplicado nesse tipo de produto, mas Roesler destaca que geralmente eles partem de um montante de R$ 10 milhões a R$ 20 milhões.
Embora muitas pessoas achem que esses produtos são voltados apenas para investidores qualificados (que tenham essa certificação ou tenham mais de R$ 1 milhão aplicados), isso não está especificado na regra. No entanto, só um investidor qualificado ou profissional consegue ter recursos financeiros para fazer um fundo exclusivo.
Fundos exclusivos x fundos fechados
É importante destacar que os fundos exclusivos não são necessariamente fundos fechados, como destaca o economista Marcelo d’Agosto, colunista do Valor Investe.
Os fundos fechados são aqueles em que o investidor não pode solicitar o resgate da aplicação a qualquer momento. Para reaver os recursos, ele deve vender as cotas que possui para outra pessoa, como no caso dos fundos imobiliários e ETFs.
Portanto, em um fundo exclusivo e fechado, o cotista não pode fazer resgates, apenas uma amortização de cotas por ano. E é justamente nesses produtos que a medida provisória está mirando.
Como era e como fica a tributação?
Até agora, os fundos exclusivos fechados só sofriam incidência de tributação na hora do resgate. Portanto, se um cotista tem R$ 10 milhões aplicados em um produto desse tipo há 10 anos, mas até agora não fez nenhuma amortização, ele não sofreu nenhuma tributação. Se ele sacou R$ 1 milhão, a tributação foi apenas sobre esse R$ 1 milhão de rendimento que foi sacado.
A medida provisória propõe que esses fundos sejam tributados com o chamado “come-cotas”.
Para quem não sabe, esse mecanismo já é aplicado aos demais fundos e ele funciona como uma antecipação do imposto de renda que acontece a cada seis meses, sempre no último dia útil de maio e novembro, mesmo com os recursos não tendo sido sacados.
Nessas datas, a cobrança do imposto acontece de forma automática e pode ser de 15% ou 20% da valorização das cotas. Nos fundos de curto prazo, que têm em sua cesta ativos com vencimento médio de até um ano, a alíquota do come-cotas é de 20% sobre a valorização. Nos fundos de longo prazo, compostos por papéis com vencimento médio superior a um ano a alíquota é de 15%.
Trocando em miúdos, com a nova regra, os fundos exclusivos fechados terão incidência de alíquotas de 15% ou 20% a cada seis meses, faça chuva, ou faça sol.
Em que pé está? Quando entra em vigor?
A Medida Provisória (MP), instrumento usado para taxar os fundos exclusivos, é uma ferramenta que cria ou altera leis em caráter de urgência. Portanto, ela passa a valer assim que é assinada pelo presidente e publicada no Diário Oficial. A partir daí, o Congresso tem 60 dias (que podem ser prorrogáveis por mais 60, totalizando 120 dias) para votar a medida e, a partir daí, ela ser definitiva.
Como o presidente Lula assinou a medida no dia 28 de agosto, ela já está em vigor. Porém, Ana Carolina Monguilod, professora do Insper e especialista em tributação, explica que a lei não permite a cobrança de um “novo imposto” no mesmo ano de exercício que ele foi criado. Portanto, as cobranças só acontecerão a partir de 2024. Além disso, a MP precisa ser aprovada no Congresso para que as mudanças ocorram, na prática, a partir do ano que vem.
“A MP foi assinada no dia 28 de agosto, que foi quando começou a valer o prazo de aprovação no Congresso. Portanto, a partir daí ela tem 60 dias, prorrogáveis por mais 60, para virar lei. Se ela não for aprovada nesse prazo, ela perde os efeitos”, afirma a especialista.
Mas a expectativa do governo é que os cotistas dos fundos antecipem o recolhimento do imposto de renda ainda no fim deste ano para terem condições mais favoráveis.
Fundos offshores
O que são?
Apesar de “fundo offshore” não ser uma nomenclatura oficial, ela é usada para os investimentos que são feitos no exterior. Esses fundos normalmente têm a sede em outro país e contam com ativos internacionais em suas cestas. Porém, em muitos casos, o gestor daquele produto está no Brasil.
“Os fundos offshore, nesse contexto em que estamos falando, são fundos localizados em paraísos fiscais ou em países que têm uma situacão tributária mais favorável. São diferentes dos fundos internacionais, que são fundos de investimentos de gestoras renomadas do exterior, que têm acesso a investimentos de países com mercados mais desenvolvidos e, por isso, oferecem opções mais amplas de ativos para compor aquela cesta do que os produtos que o investidor encontra normalmente no Brasil. Por isso muitos fundos internacionais estão disponíveis nas plataformas de investimento”, afirma Marcelo d’Agosto.
Assim como os fundos exclusivos, os fundos offshore também têm custos altos para serem abertos e mantidos e, por isso, geralmente são produtos usados por pessoas mais ricas.
Como era e como fica a tributação?
Até então, o dinheiro investido no exterior só era tributado no seu resgate ou no envio de volta ao Brasil. Segundo o advogado Leonardo Roesler, atualmente a maioria dos investidores que lançam mão dessa estratégia de investimento acabam usando outros artifícios para trazer o dinheiro de volta ao Brasil.
“Um desses recursos é trazer o dinheiro de volta em uma estratégia societária de aplicação do lucro daquele fundo lá fora em uma empresa que aquele cotista tem no Brasil. E aí, depois, ele retira aquele dinheiro de volta na forma de dividendos, livre de impostos”, afirma o advogado.
A regra proposta a partir do projeto de lei é que o rendimento do capital aplicado no exterior sofra a incidência de alíquotas progressivas de 0% a 22,5%. Segundo o texto, quem tiver rendimentos no exterior de até R$ 6 mil por ano não será tributado. Já quem tiver ganhos de R$ 6 mil a R$ 50 mil por ano terá alíquota de 15%. Por fim, rendimentos superiores ao patamar de R$ 50 mil por ano ficarão sujeitos à alíquota de 22,5%.
A grande questão, segundo Roesler, é que o governo ainda não deixou claro quais serão os mecanismos para fiscalizar esses produtos.
“A MP está muito seca nesse sentido, ela só coloca a forma como seguirá a tabela. Mas o que imagino é que a fiscalização do governo em relação a quem possui esse tipo de empresa deve mudar. A lei diz que você precisa declarar tudo que tem no exterior, mas se não houver acordo com outro país, não é possível saber se existem recursos que não foram declarados. Então, imagino que o governo esteja preparando fiscalização mais agressiva para verificar esse aspecto”, afirma.
Em que pé está? Quando entra em vigor?
Diferente do que acontece com uma MP (instrumento usado para a taxação dos fundos exclusivos), no caso do projeto de lei (PL), cria-se ou altera-se uma lei que já existe, mas sem o caráter de urgência.
O PL pode ser proposto por diferentes figuras políticas, como deputados, senadores, pelo poder Judiciário ou até mesmo Executivo (na figura do presidente ou ministros). A partir daí, o projeto precisa passar pela aprovação da Câmara e do Senado e é possível que as casas façam mudanças no texto. Depois de aprovado no Congresso, o PL é encaminhado para a análise do presidente, que pode vetar uma parte ou todo o texto, ou sancionar a lei, que passa a valer a partir daquele momento.
Portanto, o PL para taxar os fundos offshores ainda está em suas primeiras etapas. Ele foi enviado ao Congresso e ainda precisa passar pelas votações. Depois, é preciso a aprovação do presidente para, enfim, a lei entrar em vigor.