02/10/2023 •
Uma mulher para a vaga do STF
Fonte: JOTA
Por: Ana Carolina Monguilod e Livia Ricciotti
Na semana que sucede a aposentadoria da ministra Rosa Weber do Supremo Tribunal
Federal (STF), paira no ar a incerteza sobre quem a substituirá na corte.
Ocupando a cadeira desde dezembro de 2011 e na qualidade de terceira – e até o
momento última – mulher nomeada para o cargo em toda a existência do STF, a ministra
ressaltou, em seu discurso de despedida, a equidade de gênero como pressuposto
fundamental de expressão da cidadania.
A temática foi também reforçada na posse do seu sucessor na presidência do STF, o
ministro Luís Roberto Barroso, que defendeu os direitos das minorias e afirmou que o
Judiciário necessita de maior participação de mulheres e diversidade racial.
O clamor pela observância da equidade de gênero nessa próxima nomeação a ser feita
pelo presidente da República vem ganhando cada vez mais destaque nas últimas
semanas, diante da sinalização de figuras masculinas como potenciais indicações ao
cargo.
Quando nos recordamos de que a sua última campanha foi fortemente pautada em
discursos de fortalecimento de minorias, e que a sua posse foi marcada pela subida da
rampa do Palácio do Planalto e recebimento da faixa presidencial acompanhado de
representantes do povo, de diversas etnias e origens, causa espanto e preocupação a
declaração do presidente Lula de que nomeará “pessoas que possam atender aos
interesses e expectativas do Brasil”, sem considerar critérios de gênero ou raça.
Foi nesse contexto que a Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF), firme no
compromisso de promover a diversidade de gêneros e proativa no que diz respeito à
inclusão de mulheres em ambientes institucionais, manifestou-se, em nota subscrita com
outras entidades acadêmicas, no sentido de apoiar a nomeação da ministra Regina
Helena Costa, atualmente no Superior Tribunal de Justiça (STJ), para a vaga que se
abriu no STF.
Para além da perspectiva de gênero, a ministra Regina Helena preenche todos os
requisitos constitucionais de notório saber jurídico e reputação ilibada, razão pela qual
não frustraria o atendimento aos ditos “interesses e expectativas do Brasil”, referidos
pelo presidente Lula.
Suas quatro décadas de atuação como renomada jurista: a sua obra, o seu legado, e a
sua profícua carreira na Procuradoria do Estado de São Paulo (1984-1991), na
Procuradoria da República (1991) e na Magistratura Federal na 1a e 2a instância (1991-
2013), além da sua marcante atuação, nos últimos dez anos, no STJ, laureiam a ministra
Regina Helena com qualidades ímpares que a recomendam, com inigualável força, para
a assunção do cargo. A questão do gênero reforça sua adequação ao cargo.
Não se nega a existência de outras possíveis indicações femininas igualmente
gabaritadas para o cargo, tampouco a urgência da reparação histórica relativa à questão
racial, em conjunto com a bandeira de gênero aqui hasteada. São temas de extrema
importância e que também devem ser urgentemente cuidados, tanto na composição do
STF como dos demais tribunais brasileiros. A luta pela diversidade será constante e irá
muito além das próximas semanas.
Paralelamente a todas essas valiosas potenciais indicações, destacamos a ministra
Regina Helena como figura que enfrentaria com maestria o atual cenário de profundas e
disruptivas reformas constitucionais no âmbito do Direito Público, seja no campo do
Direito Administrativo, Financeiro ou Tributário.
O tema reforma tributária nunca foi tão debatido neste país, prometendo alterar
profundamente o sistema tributário atual. Se qualquer dos projetos atualmente em
andamento no Congresso Nacional for aprovado, será inevitavelmente levado ao
Judiciário, sendo razoável esperar que muitos dos futuros litígios acabem sendo
decididos pelo Supremo, uma vez que a reforma tributária que se propõe é sobretudo
constitucional.
Aliás, é inegável a excessiva representatividade da tributação na vida dos brasileiros e
no ambiente dos negócios. Segundo dados divulgados pelo Insper em relatório de
dezembro de 2020, atualizado em janeiro de 2021, o contencioso tributário brasileiro
acumulava, em 2019, aproximadamente R$ 5,4 trilhões, correspondentes a cerca de
75% do PIB nacional.
É nesse contexto que toma maior relevo a presença firme de uma jurista com a bagagem
da magistratura que carrega a ministra Regina Helena, combinando a experiência nos
embates particularmente tributários vividos no STJ com formação acadêmica ímpar,
características imprescindíveis ao cargo vago na atual conjuntura.
Se há homens e mulheres habilitados à ocupação do cargo pela notável atuação nas
suas respectivas carreiras jurídicas, entendemos que o critério preponderante, no
presente caso, deverá ser o de zelar pela representatividade feminina inegavelmente
insuficiente no STF. A isso, deverá ser acrescentada a necessária formação que a
candidata deverá ter para enfrentar as tantas questões de Direito Público,
particularmente de natureza financeira e tributária, que já tomam a corte e que
certamente dominarão a pauta contenciosa brasileira nos próximos anos.
Lembremos sempre que o tão desejado aperfeiçoamento do sistema tributário não será
atingido isoladamente por ocasião da aprovação de uma reforma tributária pelo
Congresso. Muito pelo contrário, eventuais avanços somente serão garantidos com
efetiva participação dos tribunais, particularmente o STF, como guardião da Constituição.
Mais ainda, que a racionalidade do sistema tributário, a ser garantida pelos nossos
tribunais, afeta toda a sociedade e o próprio futuro do nosso país.
Se o presidente da República fizer a correta indicação, que todos dele esperam, ainda
assim serão somente 2 entre 11 ministros – numa história de 3, para 171 nomes que já
compuseram o STF. Não há espaço para outro discurso. Não podemos retroceder.